Durante o feriado de Páscoa, tive a oportunidade de conhecer um
intercambista chamado David. Ele é filho de um americano com uma
brasileira e nunca havia visitado o Brasil antes.
Apesar do meu inglês não ser muito técnico, consegui me comunicar e
compreender de forma satisfatória, o que surpreendeu o americano.
David é um jovem que não se identifica como democrata nem
republicano – estas são categorias usadas pelos americanos na qual
“republicano” significa ser de direita e “democrata” ser de esquerda.
Suas ideias se aproximam de um sistema desenvolvimentista com maior
presença do Estado em investimentos em infraestrutura e
nacionalização do sistema de saúde americano, na qual é muito
criticado pelo cidadão americano. Ele acredita que as indústrias
deveriam voltar ao país (algo citado pelo candidato socialista Bernie
Sanders). Mas, por outro lado, ite que o ideário marxista do
candidato o deixa completamente distante do mundo real. Vale ressaltar
também que o mesmo foi defendido por Donald Trump em seu
mandato.
Considero importante compreendermos o contexto cultural e político dos
EUA, no qual busco sempre pesquisar este assunto e que,
curiosamente, surpreendeu David os meus questionamentos que
levantei.
Por exemplo, é comum ouvir de americanos influenciadores, políticos e
filósofos que o “Sonho Americano” está morto. E David corroborou com
essa drástica afirmação e não deixou de citar seu próprio exemplo. Ele,
que cursou no ensino médio Engenharia de Automóveis, não seguiu
carreira e iniciou outro curso por conta própria. Mas na verdade, seu
grande sonho é cursar Engenharia Espacial, mas devido aos custos
elevadíssimos, isto não está ao seu alcance. Acrescentou ainda que até
tentou ingressar no exército para assim reduzir os custos da faculdade,
mas por problemas de saúde, não pôde seguir em frente.
Mesmo o Brasil sendo muito diferente do EUA, David enfrenta o mesmo
problema de muitos jovens brasileiros: a falta de perspectiva para o
futuro.
No Brasil, o baixo poder de compra, a inflação e os impostos abusivos
causam uma escassez de oportunidades e com isso um vazio sobre o
que vislumbrar para o futuro. Isso pode chegar ao ponto em que o
sentido de viver fica abalado e sem sustentação prática.
E para piorar, temos esse novo governo que vem importando as
consequências do problema americano: a cultura “woke”. Não por acaso
que Lula colocou um neomarxista para chefiar o Ministério dos Direitos
Humanos, o Dr. Silvio Almeida.
Temos também Tabata Amaral, deputada que acionou o Ministério
Público contra um comediante que fez um show com piadas que
envolvia uma personagem cadeirante fictícia. No Show havia um
cadeirante que gostou do show, mas quando a piada caiu na internet,
tudo mudou e o cancelamento foi devastador fazendo o comediante
perder seu emprego regular no Banco do Brasil.
E nestes últimos anos, vem se consolidando movimentos feministas
radicais que pregam ódio aos homens de maneira indiscriminada. E por
conta disso, nascem agora os “Red Pills”: homens que não acreditam
na família, odeiam mulheres ou querem estas apenas para sexo. Ou
seja, cada vez mais cresce um ambiente cultural em que homens e
mulheres têm dificuldade de desenvolverem relacionamentos saudáveis.
Outro fator é o impacto das redes sociais em nossas vidas e seus
interesses políticos e privados, que apresentam um sistema de
recompensa extremamente privilegiado para quem produz e dissemina
discursos radicais. Nesta polarização odienta e cristalizada nas bolhas
das redes sociais, circulam pautas trans na qual se debate a presença
em esportes de sujeitos trans junto com mulheres ou homens cis. Isto
vem causando emes no ordenamento jurídico. Como exemplo,
atualmente homens que se declaram mulher pode requerer
aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero e não com seu
sexo biológico de nascimento.
Diante dessas rupturas socioculturais e disputas identitárias,
naturalmente uma pergunta brota em nossas cabeças:
Existe no coração dos brasileiros algum elo patriótico que lhe faça se
sentir parte de uma comunidade nacional para além das bolhas digitais
e dos grupos de pressão?
Bem, mesmo diante de todo esse divisionismo recente nas redes, a
maioria dos brasileiros ainda contém aquele componente tipicamente
brasileiro: a simpatia energizante; a facilidade de fazer amizades; enfim,
nosso “gingado” esperto e afetuoso que quebra protocolos e faz
possíveis situações constrangedoras se tornarem engraçadas
envolvendo todo mundo ao redor. Portanto, ainda há esperança.
Quando perguntei se o estrangeiro sabia do ocorrido em Blumenau, ele
disse que soube e complementou dizendo que esses massacres no
Brasil são uma replicação mimética dos chamados school shootings que
ocorrem nos EUA. Com a internet globalizada, tais massacres
rapidamente são divulgados e encorajando outros a repeti-los. Nos
EUA, esses atos brutais já compõem o imaginário coletivo americano,
deixando pais inseguros a todo momento.
No nosso caso, mesmo que não tenhamos o vasto histórico de
massacres que ocorrem nos EUA, a sensação de insegurança
infelizmente sempre foi uma constante. Basta vermos o número de
brasileiros que falecem todos os anos e as situações de cidades que
possuem bairros dominados seja pelo tráfico ou milícia. Porém, estes massacres em escolas nunca foi tão parecido com os school shootings americano.
Pergunta-se, portanto, a que ponto nossa brasilidade tão calorosa está
ameaçada diante de tais disrupturas de nosso tecido social.
O verdadeiro espírito brasileiro sempre foi acolhedor. Quando se
compara com outros países, percebemos que temos mais facilidade em
nos relacionar com pessoas que nunca vimos antes. É como se
houvesse um ethos entre os brasileiros na qual todos buscam encontrar
algo em comum no outro nas conversas informais. Além dessa
habilidade sociocultural de fazermos amizades, temos o costume de
visitar parentes com frequência, mesmo com as diferenças e brigas,
insistimos em manter laços familiares.
Nutrimos amizades que brotaram na infância, mesmo que cada qual tenha seguido destinos tão diferentes. Esse é o Brasil de verdade.
Porém, mesmo tudo isso fazendo parte de nossa vida, nem sempre
temos consciência que essa é a nossa identidade cultural que nos faz
brasileiros. Daí a importância da política. É através dela que pode surgir
um líder capaz de conscientizar os brasileiros sobre o que nos une em
prol de um projeto de nação. É necessário gerar um sentimento de
futuro para nosso país, não meramente econômico, mas também
sociocultural. O brasileiro precisa ter orgulho de sua cultura.
Alguns dizem que o brasileiro tem “espírito de vira lata”, quando fala mal
de seu próprio país e elogia, por exemplo, os EUA. Mas discordo dessa
interpretação tão rasa. Afinal, por justamente a política nacional nos
decepcionar tanto, é que buscamos em outros países algo que
podemos aprender. Nossa cultura não é soberba e sim sábia e
pragmática. Nosso desafio, portanto, é filtrar aprendizados positivos que
possam vir dos países desenvolvidos e ao mesmo tempo ter sabedoria
para negar o que nos desagrega e nos destitui enquanto nação.
Hugo Basaglia-Coordenador do MBL-MT